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A cultura é a força motriz por trás da natureza imperfeita e das peculiaridades das pessoas, tanto na ficção quanto na vida real. Geralmente, pensamos na cultura como um fenômeno "superficial", como as roupas que vestimos e festividades culturais específicas ou eventos esportivos. Mas é muito mais profundo do que isso. A cultura em que nascemos molda profundamente a forma como percebemos o mundo ao nosso redor — mesmo que não percebamos. Ela distorce as lentes pelas quais experimentamos a vida e influencia nossas filosofias e comportamentos.
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Considere, por exemplo, as diferenças extremas entre a cultura ocidental e as culturas remotas. No Ocidente, o canibalismo é condenável. Porém, em Papua-Nova Guiné, comer os mortos é um rito fúnebre de carinho. Os norte-americanos consomem rotineiramente bilhões de quilos de carne em refeições e restaurantes fast-food, enquanto, na Índia, as vacas são sagradas. Com essas grandes diferenças levadas em consideração, não deveria ser surpresa saber que nossos modelos de mundo são influenciados pela cultura. E essa cultura, por sua vez, influencia o modo como as histórias são formadas.
Todas as sociedades humanas que conhecemos contam histórias de uma forma ou de outra, seja de forma oral ou por escrito. O papel das histórias, transculturalmente, parece ser uma forma de incorporar normas e lições culturais e ajudar as pessoas a descobrir o que precisam fazer para controlar ou restaurar a ordem em um ambiente específico.
A narrativa é quase sempre ditada pelos adultos, que usam o recipiente de uma história para contar às crianças o que é e o que não é justo na vida, o que é valioso e o que não é, e reforça como os cidadãos de boa reputação devem se comportar. Como resultado, as histórias muitas vezes ensinam lições morais, distribuem punições e recompensas e fazem isso de uma forma que reflete a cultura de suas origens. E as histórias são frequentemente alteradas, com os adultos (contadores de histórias) adicionando suas próprias mensagens narrativas.
À medida que crescemos, nossos cérebros estão em um estado de desenvolvimento da plasticidade. Nossos cérebros absorvem informações do mundo ao seu redor, e o que eles veem molda suas vias neurais. Essa formação neural, acredita-se, é principalmente proeminente nos primeiros sete anos da vida.
Conforme as crianças ocidentais crescem, elas são criadas para ver a si mesmas como indivíduos em uma cultura de individualismo. Essa percepção sobre si mesmo no mundo é uma peculiaridade única que acredita ter começado há cerca de 2.5000 anos na Grécia Antiga. Os ocidentais também tendem a ver a vida por meio de uma série de escolhas e liberdades pessoais, e a ver o mundo como composto por partes e peças individuais.
De acordo com alguns psicólogos, o modelo por trás da narrativa ocidental é um produto da paisagem rochosa e montanhosa da Grécia — que não era muito adequada para a agricultura em grande escala. Portanto, o sucesso na Grécia Antiga exigia que você trabalhasse sozinho por meio de vários tipos de pequenos negócios, como pesca, venda de peles de curtimento ou fabricação de azeite de oliva.
Para os gregos, portanto, alguma medida de autossuficiência era a chave para o sucesso. E o individualismo era fundamental para dominar o terreno ao seu redor. Essa não é uma teoria perfeita, mas é sem dúvida fascinante — e poderia explicar como o 'indivíduo' surgiu no Ocidente, começando pelos gregos.
Sem surpresa, os gregos começaram a elogiar o indivíduo todo-poderoso como um ponto de foco cultural. Eles também louvavam a glória pessoal, a perfeição e o progresso. Afinal, os gregos criaram a lendária competição que coloca o ego contra o ego, que ainda hoje conhecemos como as Olimpíadas. Os gregos também praticavam as primeiras formas de democracia e direitos individuais de voto e, em sua mitologia, contavam fábulas sobre Narciso e os perigos do amor próprio.
Acima de tudo, a mensagem principal era a de que, por meio do progresso e da autodeterminação, o indivíduo poderia ser o guardião de seu próprio destino e escolher a vida que desejasse. Com esses valores habilitados, o indivíduo pode se livrar das algemas de senhores de escravos, tiranos e até mesmo de Deus.
As coisas são muito diferentes no Extremo Oriente. A China, cultura-mãe da Coreia e do Japão, está do outro lado do continente eurasiano e separada por montanhas e desertos. Para os gregos, qualquer semelhança com a civilização chinesa era provavelmente apenas rumores e sussurros de comerciantes e viajantes nas estradas da seda.
Os amplos espaços abertos e a fértil paisagem agrícola da China não poderiam ser mais opostas ao estado de coisas na Grécia. A viabilidade de enormes campos agrários favoreceu os empreendimentos de grandes grupos em detrimento do indivíduo. O sucesso provavelmente significava se adaptar e se concentrar em uma grande comunidade em um projeto de irrigação de arroz ou trigo na China. A sobrevivência foi reforçada pelo trabalho em equipe e confiabilidade, em vez de projetos de pequenas empresas. Essa teoria, compreendida por alguns psicólogos, é conhecida como a 'teoria coletiva do controle'. E acredita-se que fatores geográficos como esses constituíram a China e o ideal coletivo do 'eu' no Extremo Oriente.
O filósofo mais famoso da China, Confúcio, parece confirmar esses ideais coletivos em seus escritos, descrevendo o homem superior como "aquele que não se vangloria de si mesmo, mas prefere ocultar sua virtude, pois deve cultivar uma harmonia amigável e deixar que os estados de equilíbrio e harmonia existam na perfeição". Tudo isso está em total contraste com as declarações dos filósofos da Grécia Antiga.
Para os orientais, o sucesso no controle do mundo se deu por meio do esforço do grupo, o que também moldou a forma como os chineses passaram a perceber a realidade. Para eles, a existência é um campo de forças interconectadas — e não peças e partes individuais assim como percebido pelos gregos. E, a partir dessas visões totalmente diferentes da realidade, surgem diferentes tipos de histórias.
Os mitos gregos geralmente têm três atos, ou o que Aristóteles rotulou de 'começo', 'meio' e 'fim', que às vezes também são conhecidos como as fases de 'crise', 'luta' e 'resolução'. Os mitos gregos também costumam ter um herói singular como protagonista principal, que no decorrer de sua jornada luta contra monstros e supera enormes obstáculos para voltar para casa com um tesouro, eventualmente.
Ou, em outras palavras, os mitos gregos personificavam o ideal grego do indivíduo, geralmente uma pessoa corajosa que poderia mudar tudo se ao menos se concentrasse nisso. Histórias como essa influenciam as mentes ocidentais na primeira infância, e alguns estudos mostraram que, ao pedir às crianças que inventem uma história, elas tendem a inconscientemente seguir o modelo grego desde tenra idade.
A perspectiva da China é muito diferente. Por exemplo, praticamente não há autobiografias na literatura chinesa até os dias modernos. E, quando elas surgem, tendem a ser despojadas de voz e opinião, e contadas quase do ponto de vista de um espectador refletindo sobre uma vida, ao invés de diretamente da pessoa que a conta.
Da mesma forma com a ficção, em vez de seguir um padrão direto de causa e efeito, as histórias orientais tendem a assumir a forma de muitos personagens diferentes, todos refletindo sobre o drama da trama — e muitas vezes de maneiras contraditórias. O efeito é tentar colocar o leitor em uma posição em que ele tenha que decifrar e descobrir o que realmente aconteceu por conta própria.
Um excelente exemplo disso é 'In A Bamboo Grove' de Ryunosuke Akutagawa. Nessa história, uma vítima é assassinada, e o próprio evento é relatado por várias testemunhas, incluindo um espírito que canaliza a própria vítima. É raro haver um final claro e inequívoco ou uma conclusão real nas histórias orientais. "Felizes para sempre" não são algo comum na literatura oriental. Em vez disso, o leitor deve decidir por si mesmo, e é assim que os orientais tendem a obter prazer com a história.
Nos poucos contos de origem oriental que se concentram nos indivíduos, os feitos heroicos tendem a ser realizados de maneira grupal. Nos contos ocidentais de heroísmo, o herói é contraposto ao mal, a verdade prevalece e o amor vence tudo. Mas, na Ásia, o heroísmo é alcançado por meio do sacrifício, principalmente se esse sacrifício ajudar a proteger e cuidar da família e da comunidade.
Os japoneses têm uma forma de contar histórias conhecida como kishotenketsu. Normalmente, ela tem quatro atos. No primeiro ato, somos apresentados aos personagens. No segundo ato, o drama começa. O terceiro ato geralmente envolve uma reviravolta ou algo surpreendente. No ato final, o leitor é convidado de forma aberta a tentar buscar a harmonia entre todas as partes da história.
Uma das coisas que mais deixam os leitores ocidentais perplexos nas histórias de origem oriental é que o final costuma ser ambíguo. Isso porque, na filosofia oriental, a vida é geralmente vista como complicada e sem respostas claras.
Os leitores das culturas orientais têm prazer com a busca pela harmonia da narrativa. Em contraste, os ocidentais gostam de relatos de indivíduos que lutam para alcançar a vitória contra todas as probabilidades. As diferenças nessas histórias refletem as diferentes maneiras como ambas as culturas entendem as mudanças. Os ocidentais veem o mundo como feito de fragmentos controláveis que precisam ser colocados juntos sempre que um drama ou mudança inesperada surge em uma história. Para os orientais, a vida é um campo de forças em que todos se interconectam. Quando o drama acontece, o desejo do oriental é tentar restaurar a harmonia dessas forças vitais para que todas possam coexistir.
E, embora o Oriente e o Ocidente contem diferentes tipos de histórias, o propósito subjacente é o mesmo. Tanto orientais quanto ocidentais contam histórias como lições de controle. Elas são criadas para ajudar as pessoas a se orientar, a encontrar seu lugar no mundo. Histórias em toda parte, ao que parece, são tentativas de reinar em meio ao caos. São maneiras de administrar a realidade externa desconcertante do mundo ao nosso redor.
Neil Wright é executivo de redação de uma empresa de transcrição com sede no Reino Unido chamada McGowan Transcriptions. Seus principais hobbies incluem escrever e ler. Ele está atualmente trabalhando em seu primeiro romance, intitulado 'Poetic Spaces'.